Jurimetria – Aliança entre o Direito e a Estatística

Atualizado em 14 de maio de 2020 por washington

O Direito é uma área do conhecimento repleta de incertezas e dúvidas pois trata de aspectos sociais da vida humana. Nesse sentido, surge a jurimetria, que nada mais é do que a aplicação de estatística aos processos judiciais. A primeira menção ao termo surgiu em 1948 com Loevinger[i]. Para ele, o termo ‘jurimetrics’ serviria para juntar teoria jurídica, métodos computacionais e estatística.

Tudo isso com objetivo de analisar a jurisprudência (conjunto de decisões judiciais que demonstram o entendimento de juízes sobre um tema) e tornar o Direito mais previsível. A seguir veremos aplicações da jurimetria e da ciência de dados em nossa vida.

O QUE É A JURIMETRIA NO DIREITO?

jurimetria, a estatística no direito

A base da jurimetria consiste na investigação do funcionamento da ordem jurídica, a partir de seu caráter não determinista, ou seja, de nem sempre seguir a jurisprudência e as leis.  Assim, a jurimetria se concentra na análise das decisões já proferidas e, uma vez que cada juiz possui seu próprio convencimento a respeito de uma determinada matéria, os métodos estatísticos possuem grande valia para uma compreensão melhor do todo.

É possível, com o estudo de decisões passadas, ter uma ideia de qual argumentação é a mais aceita nos Tribunais e quais não surtem o efeito desejado, com base em números estatísticos e não apenas em convicções.

A atuação das partes e dos seus advogados, fatores socioeconômicos e convicções pessoais são aspectos que interferem na hora do magistrado tomar suas deliberações. Sendo assim, a jurimetria ganha mais importância no modo de atuar dos advogados, uma vez que ele não deve se restringir aos fatos e ao direito no curso do processo.

O desenvolvimento tecnológico junto às inovações na matemática e estatística possibilitam a compreensão de um enorme volume de dados em busca de padrões em processos judiciais.

O Recurso mais valioso do mundo

dados são o recurso mais valioso no mundo atual

Na revista “The Economist”, em 06 de maio de 2017, foi publicada a seguinte reportagem: The world’s most valuable resource is no longer oil, but data. O que a reportagem mostrou foi que houve uma drástica mudança na lista das maiores empresas do mundo no intervalo de 100 anos.

Atualmente, dentre as 10 maiores companhias do mundo em valor de mercado, as 5 primeiras são de tecnologia e trabalham com análise dados. Diferente de um passado não tão distante em que extração de recursos naturais era a atividade mais lucrativa, atualmente apenas a 10ª maior empresa atua no setor de petróleo e energia.

O grande crescimento e concentração de dados nessas empresas causa preocupação. O Facebook tem acesso a grande parte do que compartilhamos na rede social. Os algoritmos do Google armazenam o que as pessoas buscam e quais os assuntos mais procurados. Já a Amazon está envolvida em praticamente metade das compras online nos Estados Unidos e consegue mapear a preferência de compra de seus usuários.

Em sua área de atuação, essas companhias são praticamente hegemônicas e monopolistas trazendo sérios riscos para a proteção de dados e inovação. Tais riscos fizeram com que a União Europeia elaborasse uma Lei Geral de Proteção de Dados (General Data Protection RegulationGDPR) visando forçar as grandes empresas a serem mais diligentes na coleta e utilização dos dados pessoais.

Mesmo atuando quase em monopólio em seus setores principais, algumas dessas empresas começaram a concorrer em outros ramos, como no de inteligência artificial, como Microsoft Azure, Amazon AWS e Google DeepMind.

Como a Jurimetria é feita na prática?

Machine Learning na jurimetria

A partir da coleta dos dados brutos (informações), parte-se para um trabalho esforço que exige conhecimento computacional e estatístico. É nessa hora que começa a aplicação de fato da inteligência artificial, mais especificamente do Machine Learning.

Após a coleta das informações nos sites dos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, é preciso utilizar algoritmos de aprendizagem não supervisionada. O que esses algoritmos irão fazer é basicamente reunir juntar em clusters (grupos) de assuntos os trechos de textos retirados das petições iniciais e das sentenças e reuni-los sob os mesmos assuntos.

Após essa etapa, passa-se para o aprendizado supervisionado. O objetivo agora é predizer os resultados de processos (se a ação será procedente ou improcedente, quanto tempo irá demorar para ser julgado, qual será o valor da indenização esperada). Com base nessas informações, é possível estimar uma proposta de acordo ou até mesmo uma cessão dos direitos creditórios.

Uma vez que a esfera judiciária é composta em sua grande maioria por decisões textuais, a compreensão de processamento de linguagem natural é pressuposto básico para a aplicação da jurimetria. Um desafio ainda presente é conseguir transferir para o computador as nuances da escrita humana, fazer com que ele identifique figuras de linguagem e as intenções não escritas.

Aplicação pelos profissionais do Direito

Os profissionais do Direito estão começando a perceber as vantagens da interpretação de dados em sua profissão. É possível, por exemplo, criar um modelo preditivo e estatístico dos processos judiciais, por meio das técnicas de modelagem computacional que coletam e analisam as decisões.

Através de técnicas estatísticas de modelagem computacional é possível criar modelos preditivos e estatísticos dos processos judiciais. Já é realidade que algumas pessoas possuem maior entendimento das decisões judiciais em diferentes juízos, mesmo que em uma mesma comarca e, com isso, estão mais amparados em suas tomadas de decisões.

Afinal, para os advogados, saber qual é a argumentação mais aceita por determinado juiz pode resultar no ganho da causa. Por outro lado, o juízo poderá fazer uso da análise dos dados para decidir se concede ou não a antecipação de tutela em uma ação de medicamentos, por exemplo. Caso seja comprovado – por meio dos dados – que o remédio pleiteado não possui a urgência afirmada na tutela antecipada de urgência, o magistrado poderá negar o pedido com base na não incidência do periculum in mora.

A crescente coleta das decisões e a sua filtragem possibilitam o acesso a informações que antes eram restritas aos juristas e aplicadores do Direito. Dessa forma, obtém-se uma maior democratização e publicidade dos resultados judiciais de forma clara e objetiva, levando à sociedade a transparência das decisões.

A grande diversidade dos sistemas adotados pelos sites dos Tribunais brasileiros é, ainda, um empecilho à aplicação dessa técnica, uma vez que se torna necessária a padronização dos diferentes dados obtidos após a sua coleta.

Há um entendimento geral de que o Direito é decorrente da lei. Costuma-se pensar que a utilização adequada da lei pelo aplicador fará com que saia vitorioso ou, ao menos, tenha uma perspectiva do resultado do processo, caso este seja negativo. No entanto, essa percepção tende a mudar na medida em que sejam publicados os resultados estatísticos, demonstrando a grande variedade e não uniformidade das decisões que dizem respeito ao mesmo assunto.

Em nosso ordenamento jurídico, existe uma série de mecanismos que buscam trazer uma uniformidade para as decisões judiciais. O novo código de processo civil inovou ao dispor sobre o IRDR (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas). Há também as súmulas vinculantes que buscam trazer uniformidade às decisões das instâncias inferiores. Porém, o que se percebe é que esses mecanismos ainda têm um longo percurso até serem de fato adotados por todos os Tribunais e operadores do Direito.

A aplicação de Políticas Públicas baseadas na Jurimetria

Um ponto que é pouco abordado e que deve receber a devida importância pelo Poder Público é a análise estatística dos dados processuais para tomada de decisão. Exemplificando para o sistema de precatórios, é possível perceber quais ações são mais recorrentes em casos contra a Fazenda Pública e, com isso, tomar medidas práticas para solucionar os inconvenientes causados antes que eles cheguem ao Judiciário.

É possível extrapolar essa interpretação com outro exemplo. Em determinada comarca não existem varas empresariais e não existem dados sobre quantos processos empresariais tramitam em varas cíveis. Para que o Tribunal ou a Corregedoria saiba a real necessidade de criação de varas empresariais e quantas varas criar, é importante descobrir quantos são os processos e quanto tempo o juiz demora para julgar de acordo com a complexidade do tema. Para essa tomada de decisão, é necessária a análise e interpretação dos dados.

Assim, ter uma atividade do Poder Legislativo voltada para os problemas concretos vivenciados pela sociedade é vital para seu bom funcionamento e eficiente prestação jurisdicional. De nada adianta legislar sobre demandas inexistentes ou até mesmo editar leis que não serão cumpridas.

A tecnologia para formar uma sociedade mais justa

Um dos pontos que causa mais revolta no âmbito jurídico é o tratamento desigual para questões iguais, tratar de forma diferente casos semelhantes somente em virtude das partes envolvidas.

O Princípio da Segurança Jurídica é um mais importantes do Direito pois visa garantir a estabilidade das relações já consolidadas. Busca, dentre outros, a proteção ao direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Caso respeitado, faz com que seja assegurada a previsibilidade dos contratos e acordos, evitando, assim, processos e decisões que sejam muito divergentes da grande maioria.

Nesse contexto, há um entendimento de que a tecnologia veio para ajudar a diminuir discrepâncias. O surgimento de processos estruturados, aliado a uma aplicação da lei padronizada e coerente, é o caminho para uma justiça mais efetiva, que seja igual para todos.

Abordar alguns casos como “sorte” ou “acaso”, depender a vida de outros a quem está a julgar um processo é medida que deve ser extinta.

A previsibilidade das decisões judiciais, independente de quem está julgando, oferecerá uma prestação jurisdicional mais satisfatória para as partes e aceita pela sociedade. É preciso existir uma uniformização das decisões judiciais para que as câmaras ou turmas julguem de forma similar.

 


[i] LOEVINGER, Lee. Jurimetrics: the next step forward. Minnesota Law Review, v. 33, n. 5, p. 455-493, 1948.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *