Atualizado em 4 de dezembro de 2023 por lorenna
No texto de hoje vamos falar da recente e maior condenação de danos emitida pela pela Corte de Nova Iorque. A decisão condenou o Governo da Argentina a pagar cerca de USD 16 bilhões aos requerentes acionistas minoritários da Yacimientos Petrolíferos Fiscales -YPF, Petersen e Eton Park, pela expropriação da companhia em 2012, “Caso Petersen”.
Antes entrar nos detalhes do caso e da condenação exorbitante, vamos te contextualizar acerca da indústria dos ativos judiciais.
Dentro da indústria que a Mercatório atua, os precatórios são “apenas” uma espécie contida em um gênero muito mais amplo no universo dos investimentos.
Exitem inúmeras formas de classificar os tipos de investimentos; seja por sua liquidez (negociado em bolsa/privado), por sua forma de rentabilidade (fixa/variável) ou pela categoria do ativo (financeiro/ não financeiro).
Sem entrar muito em questões técnicas, os precatórios (espécie), quando adquiridos por um investidor, são classificados como um ativo judicial (gênero).
O ativo judicial é um gênero dentro da categoria de investimentos que pode ser identificado por uma característica intrínseca; estar atrelado à uma disputa judicial ou até mesmo arbitral.
O ativo judicial, por estar vinculado à uma disputa, possui um risco de decisão e um risco de execução.
O risco de decisão é medido pela expectativa do resultado do mérito do litígio. De maneira simples, é o risco de saber qual parte será vencedora no final do processo.
O risco de execução, por sua vez, é medido pela expectativa de efetivo recebimento daquilo que foi decidido no processo. Afinal, não adianta nada ter uma decisão favorável, mas não conseguir receber a compensação financeira correspondente.
Para assumir os riscos supracitados, os investidores pedem um “prêmio”, também conhecido como “deságio”, além de absorverem os resultados da correção monetária e/ou juros do ativo judicial arbitrados pela lei e/ou pelo contrato.
O deságio é o desconto negociado sobre o valor de face do ativo e a correção monetária/juros. É a forma pela qual o ativo se atualiza no tempo até ser liquidado (i.e. ser pago pela parte perdedora).
Agora que já entendemos o que são ativos judiciais e suas principais características e riscos, voltamos a falar do Caso Peterson
O Caso Peterson trata de uma disputa iniciada por dois acionistas minoritários da YPF (“Acionistas”) que viram suas ações na empresa virarem “pó” após a decisão do Governo Argentino em expropriar a companhia em 2012((Na época o principal acionista da empresa era a Petroleira Espanhola Repsol – que deve seu investimento expropriado. A resolução desta controvérsia veio à custa de muito desgaste diplomático entre dois países, mas a Argentina acabou cedendo à pressão e pagou uma quantia volumosa para a empresa espanhola.)).
O Estatuto da YPF continha uma cláusula que buscava proteger os minoritários em caso de estatização da companhia1. Em linhas gerais esta cláusula previa que, caso a YPF fosse privatizada, o Governo deveria pagar o preço de mercado aos minoritários.
Dado o contexto da Argentina desde 2012, e com perdão do truísmo, não é spoiler dizer que o Governo não cumpriu com o combinado, e, portanto, não indenizou os Acionistas.
Os Acionistas faziam parte de grupos empresariais que dependiam fortemente dos dividendos da YPF para sobrevier, e com a decisão, não tiveram condição de manter as operações e pediram recuperação judicial nas cortes da Espanha.
Com a recuperação judicial instalada nas cortes da Espanha, os Acionistas não dispunham de recursos suficientes para demandar o Governo da Argentina. Litigar contra um soberano pode ser visto como uma tarefa hercúlea. Só para se ter uma ideia, foram gastos mais de USD 60 milhões neste caso até agora2.
A ausência de liquidez provocou a necessidade de os Acionistas buscarem no mercado uma solução para ajudar na recuperação do seu direito (crédito em potencial) contra a Argentina. A solução foi justamente recorrer a um investidor que investe em ativos judiciais; o escolhido foi o Burford Capital, fundo de financiamento de litígios que está listado na bolsa de valores de Londres (ticker BUR), que aliás, viu seu equity valorizar mais de 100% nos últimos seis meses, muito influenciado pela expectativa desta decisão.
Naquela época, em 2015, o Burford Capital negociou com os Acionistas pagar um valor à vista além de arcar com todos os custos do litígio em troca do direito de receber parte dos proventos a serem recolhidos em decorrência do eventual sucesso da demanda. No mesmo ano foi protocolada a demanda contra a Argentina perante as Cortes de Nova Iorque. Diga-se que foi uma estratégia certeira demandar a Argentina em território estadunidense, afinal seria impossível pleitear uma demanda de expropriação desta magnitude perante um juiz Argentino.
Depois de vários anos do litígio, e várias ameaças sofridas pelo Fundo(( Inclusive o CEO do fundo disse que tem medo de viajar para a Argentina)), foi proferida a decisão confirmando o direito dos Acionistas e condenando a Argentina a pagar USD 16 bilhões por conta da expropriação na YPF.
O investimento realizado pelo Burford em 2015, se fosse recolhido hoje representa um retorno de 8.200% (oito mil e duzentos por cento)((Burford investiu cerca de USD 60 milhões e teria direito a USD 5 bilhões.))
Todavia, a história está longe de terminar. A Argentina informou que vai apelar e, portanto, a decisão bilionária pode ser revertida. Para piorar, ainda existir o risco de execução, ou seja, será que a Argentina vai efetivamente pagar a conta?
Conclusões
O caso acima é um ótimo exemplo da amplitude da indústria de ativos judiciais.
Na situação concreta, existia apenas o potencial do direito – mas não um litígio instaurado. Mesmo assim, o fundo de investimento optou por investir no ativo e foi recompensado por pelo risco assumido. Foi justamente a assimetria elevada quanto ao risco de decisão e de execução que gerou um “alfa” ao investidor.
Isso nos ensina que, em um mercado eficiente, quanto mais risco um investidor assume, maior deve ser sua expectativa de retorno.
No mercado de precatórios os retornos são menores, se comparados com o exemplo acima, pois o risco é proporcionalmente menor3 . Ainda assim a relação risco/retorno dos precatórios são bastante atrativas se comparadas com os retornos obtidos em outros “gêneros” de investimento como CDI, CDB, Tesouro, CRIs, CRAs, FII, etc, conforme descrito no outro texto do Blog Índice de Sharpe: Risco e Retorno em Precatórios.
Você investe em algum ativo judicial? Já possui um precatório, ou uma cota de precatório em seu portfólio?
Está esperando o que para possuir um ativo que rende 20% ao ano?
Invista já na Plataforma de Investimento da Mercatório.
- Esse não foi o primeiro caso de estatização de outras empresas na Argentina, e provavelmente os minoritários exigiram tal cláusula para impedir que ficassem a ver navios caso ocorresse novamente. [↩]
- https://www.ft.com/content/1abd35df-1efd-4c61-b983-b5a580e44b3a?accessToken=zwAGBVFx-LsAkc8avTXfHv1MYdO5g7WlgORLOg.MEYCIQCHEiS8PLcoWq_tNfKkmJXeYBJUvZD4RbrXDijaiMtCPQIhAM3XN6DySOrnfLP7Bn-XldgBHMQeWDBSb0bWmRcpPqQQ&sharetype=gift&token=6a95ace4-b15a-4a04-a373-ed3cf59d5d530 [↩]
- O retorno do precatório é menor que o do caso do Burford, pois, apesar de ambos serem ativos judiciais, no caso do precatório do risco de decisão está mitigado, ou seja, o investidor do precatório assume tão somente o risco de execução; o de receber o crédito pela entidade da administração pública devedora. [↩]