Precatório de desapropriação, você sabe o que é?

Atualizado em 10 de junho de 2020 por washington

Mais uma vez tratamos de um tema polêmico no universo dos precatórios. Agora vamos falar de precatório de desapropriação, mais especificamente como surgem e porquê tem tratamento diferente dos outros.

Como são as ações de desapropriação

A ação de desapropriação é a forma com a qual um bem (móvel ou imóvel) privado passa a ser público. Isso tem como objetivo atender a um objetivo maior, um bem maior para a coletividade.

Esse tipo de atitude do Poder Público existe há muitos anos e é regulada pelo Estado. Antigamente não havia qualquer tipo de contraprestação para o cidadão que perdia seu bem. Hoje em dia é prevista indenização para aqueles que, contra sua vontade, transferem sua propriedade ao Estado.

O Brasil segue o mesmo procedimento para as desapropriações desde 1941. Embora ainda existam discussões, tem-se que a matéria já está bem pacificada, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Segue abaixo, em ordem cronológica, os dispositivos legais que tratam sobre o tema.

  • Decreto-Lei nº 3365 de 21/06/1941: Dispõe sobre desapropriação por utilidade pública;
  • Lei n.º 4132 de 10/09/1962: Define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação;
  • Lei n.º 4504 de 30/11/1964: Dispõe sobre o “Estatuto da Terra” e dá outras providências;
  • Decreto Lei n.º 1075 de 22/01/1970: Regula a imissão provisória na posse em imóveis residenciais urbanos;
  • Constituição Federal de 1988: art. 5º, XXIV, 22-II, 182, §§ 3º e 4º-III, 184, 185 e 243;
  • Lei n.º 8629 de 25/02/1993: Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à Reforma Agrária previstos no Capítulo III, Título I, VII da CF/88;
  • Lei Complementar n.º 76 de 06/07/1993: Dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para processo de desapropriação de imóvel rural por interesse social para fim de Reforma Agrária;
  • Lei n.º 10257 de 10/07/2001: Dispõe sobre o “Estatuto da Cidade” que regulamenta a desapropriação urbanística (art. 8º) de competência do Município como instrumento de política urbana;
  • Código Civil de 2002: art. 519 (coisa desapropriada não utilizada para o fim a que se destinaria), art. 1275-V (desapropriação é causa de perda da propriedade), art. 1911, parágrafo único (desapropriação de bem clausulado), art. 959, II e 960 (desapropriação de coisa hipotecada ou objeto de privilégio), art. 1258 (desapropriação de imóvel sujeito a condomínio edilício), art. 1425-V (desapropriação de bem dado em garantia), art. 1509, § 2º (desapropriação de imóvel dado em anticrese), art. 1376 (desapropriação de direito de superfície), art. 1387 (desapropriação é causa de extinção da servidão), art. 1409 (desapropriação de imóvel dado em usufruto), art. 1228, § 3º (desapropriação por necessidade ou utilidade pública).

Como funciona essa ação

Depois dessa breve abordagem, passamos agora a explicar mais a fundo como funciona essa ação. Partimos do pressuposto que a propriedade não é um bem absoluto, mas que podem existir restrições a ela dependendo da situação.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello desapropriação é o “procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um certo bem, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo nos casos de certos imóveis urbanos ou rurais, em que por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real[i]

São claras as hipóteses em que se admite a desapropriação de um bem. Basicamente se tem que atender ao: Princípio da supremacia do interesse público e Princípio da função social da propriedade. O primeiro prega pela prevalência do interesse da coletividade sobre o interesse particular. Já o segundo, previsto no Artigo 5º, inciso XXIII e 170, inciso III da Constituição Federal, diz que a propriedade deve atender aos objetivos sociais. Ou seja, que é dever do Estado regular a propriedade de forma a melhor servir o interesse de toda coletividade e não apenas do particular.

Assim, é possível entender a desapropriação como um ato do governo para adquirir um bem particular visando determinado objetivo. Caso o bem desapropriado cumpra sua função social, o particular deverá ser indenizado previamente e em valor adequado.

Se sobre o bem existir alguma dívida ou situação que diminua seu valor, estas se extinguirão. O imóvel passa ao patrimônio público livre de qualquer obrigação e ônus.

Os diferentes tipos de desapropriação

Existem diversas justificativas apresentadas pelos governantes para desapropriar um bem. Contudo, não podemos esquecer que todas elas devem estar embasadas nos princípios da supremacia do interesse público e da função social da propriedade. A seguir alguns motivos.

Desapropriação para fins de reforma agrária

Essa modalidade de desapropriação é prevista na Constituição Federal no artigo 184. Está assim disposto:

Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Contudo, existem algumas exceções, como por exemplo no caso de pequena e média propriedade rural. O artigo 185 da CF diz:

Não são suscetíveis a este tipo de desapropriação: (i) a pequena e média propriedade rural desde que seu proprietário não possua outra e (ii) a propriedade produtiva, sendo que a lei deve fixar normas para cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.

Desapropriação para assegurar o abastecimento populacional

Esta espécie de desapropriação tem fundamento no artigo 5º, alínea “e” do Decreto-Lei nº 3365/41 e no artigo 2º, inciso III da Lei Delegada nº 4 de 26/09/1962. Nele é prevista a possibilidade de desapropriação por utilidade pública para garantir o abastecimento populacional.

Desapropriação urbanística por utilidade pública

A desapropriação urbanística, reurbanização ou desapropriação para fins urbanísticos tem como objetivo, por meio da atuação do Poder Público, alterar ou elaborar projetos para a cidade. Para isso, todavia, é necessário que alguns imóveis particulares se tornem públicos, visando atingir a utilidade pública.

É a forma que a administração tem de suprimir a propriedade individual em prol de um plano/objetivo para as cidades. É importante ressaltar que essa desapropriação só ocorre caso o imóvel não cumpra com o disposto no plano diretor.

Desapropriação por necessidade pública ou utilidade pública

O Decreto-Lei 3365/41 é a norma que trata sobre a desapropriação por utilidade pública (art. 1º) e possui pontos abstratos que servem de base para a conceituação e procedimentos dos outros tipos de desapropriação. Isso, claro, observadas modificações específicas, contendo taxativamente os casos considerados como “utilidade pública”.

A utilidade pública ocorre quando a incorporação da propriedade privava ao domínio estatal atende ao interesse coletivo, podendo, em alguns casos, ser confundido em interesse público. Por outro lado, a necessidade pública é percebida diante de um problema urgente e inadiável. Situações em que a única solução é a transferência do bem particular ao domínio público.

Desapropriação confiscatória (art. 243 da CF/88 e Lei 8.257/1991)

Em nossa Constituição é prevista a possibilidade de desapropriação em casos onde sejam cultivadas ilegalmente plantas psicotrópicas ou exista exploração de trabalho escravo.

Nestes casos haverá a perda da propriedade e esta será destinada a reforma agrária e/ou a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário.

E qual a relação das desapropriações com os Precatórios

Conforme visto anteriormente, as desapropriações ensejam justa e prévia indenização em dinheiro (CF/88, art. 5º, XXIV). Porém, o que fazer quando não se chega a um acordo sobre o valor do imóvel desapropriado?

Essa pergunta gerou grande controvérsia no Poder Judiciário e foi resolvida a partir do julgamento do Recurso Extraordinário 922.144/MG. Em 2016, o Ministro Luís Roberto Barroso entendeu que a indenização em dinheiro devida em razão da diferença entre o valor da condenação judicial e o da oferta inicial em procedimento para desapropriação deverá ser paga em obediência ao regime de precatórios.

No caso que resolveu a questão, o município de Juiz de Fora ofertou e depositou valor para indenização do ato de desapropriação de bem imóvel. O valor foi majorado no curso do processo judicial de desapropriação e restou a dúvida sobre a forma correta de pagamento.

Uma vez que a pessoa desapropriada não concordou com os valores depositados foi necessário recorrer ao judiciário. Assim, por serem valores decorrentes de sentença judicial contra a Fazenda Pública, o Tribunal entendeu ser necessário aplicar o regime de precatórios.

Dessa forma, o vencedor do processo ficou inconformado. O motivo para o descontentamento é que está previsto na Constituição Federal que a indenização seja prévia, justa e em dinheiro. Alegou, ainda, que o pagamento por meio de precatórios configuraria confisco.

Controvérias em Precatórios de desapropriação

O voto do Ministro Barroso tratou de todas as controvérsias apontadas. Primeiramente afirmou que o sistema de indenização por desapropriação e o regime de precatórios são complementares. Disse também que o pagamento prévio será aquele que ocorra antes da transferência do domínio do bem desapropriado. Na prática o pagamento ocorre ao mesmo tempo, é simultâneo.

Um problema que essa situação traz consigo é a falta de previsão orçamentária para os pagamentos. O ente público desapropriante paga a indenização prévia que entende ser justa e após o processo judicial é condenado a mais, causando, dessa forma, um déficit em suas contas.

Em outro julgamento no Supremo Tribunal Federal, o Recurso Extraordinário 247.866, foi declarado que, com exceção do RPV, é inadmissível outra forma de pagamento devido em virtude de sentença judiciária que não o precatório.

Correção monetária em Precatórios de desapropriação

Assim como nos outros tipos de ações judiciais, também incide correção monetária naquelas de desapropriação. A grande questão é: Qual o termo inicial para o cálculo da correção monetária?

Muitas pessoas pensam que a correção monetária tem início com o decreto expropriatório ou até mesmo com o início do processo de execução da desapropriação. Todavia, o termo inicial se dá com o começo do processo judicial na data da avaliação judicial. É nessa data que o perito avalia o bem desapropriado e arbitra um valor atualizado. É por isso que não se faz necessária uma correção monetária retroativa à data da desapropriação.

Outra dúvida frequente é a respeito de qual índice de correção utilizar. No curso do processo judicial é aplicado o IPCA-E para manter o poder de compra das partes envolvidas a partir de 30/06/2009. Antes dessa data o índice a ser utilizado é o INPC.

Todavia, se o precatório de desapropriação já tiver sido expedido, a história é outra. Neste caso, aplica-se a TR entre 30/06/2009 e 25/03/2015. Após 25/03/2015, o índice é o IPCA-E, assim como para os processos judiciais ainda em andamento.

O termo final da correção monetária coincide com a data do pagamento, seja ele administrativo ou por meio dos regime de precatório.

Juros em Precatórios de desapropriação

O precatório de desapropriação é um dos preferidos dos compradores em virtudes dos juros incidentes. Diferentemente dos outros precatórios em que há apenas juros moratórios de 6% ao ano, nas desapropriações há  também a possibilidade de juros compensatórios.

Grande parte das ações judiciais possuem juros moratórios de 6% a partir da citação. Por outro lado, nas ações de desapropriação, os juros moratórios somente incidem a partir do atraso do pagamento da indenização pela perda do bem. O que há, no curso do processo de desapropriação, são os juros compensatórios que podem chegar a 12% ao ano como veremos a seguir.

Juros compensatórios

Os juros compensatórios tem como objetivo compensar a perda da propriedade. O imóvel, além de seu valor intrínseco, pode gerar uma renda ao seu proprietário por meio de locação ou de produção de bens. Ou seja, busca reparar a perda financeira que o dono da terra deixou de obter. Se o imóvel desapropriado não for utilizado e tiver aproveitamento igual a zero, NÃO haverá juros compensatórios. Cumpre ressaltar que os juros compensatórios somente são aplicados caso o valor ofertado pelo poder público seja diferente daquele arbitrado pelo juízo (art. 15-A, Decreto-Lei 3.365/41).

O termo inicial de contagem dos juros compensatórios é a data da imissão provisória na posse. Ou seja, a partir da data que o poder público, após uma autorização judicial, tome posse efetiva da propriedade. Isso ocorre antes do término do processo de desapropriação.

Na hipótese de desapropriação indireta, o marco que deve ser observado é a data do apossamento. A desapropriação indireta ocorre quando o poder público se toma posse de um imóvel particular sem autorização judicial e sem o devido processo administrativo. É um ato ilícito da administração já que toma posse de forma irregular. Neste caso, os juros são calculados sobre o valor da indenização corrigido monetariamente, conforme a Súmula 114 do STJ.

O STF

Durante mais de uma década o STF entendeu que os juros compensatórios deveriam ser de 12% ao ano, conforme Súmula 618. Contudo, recentemente mudou esse entendimento ao analisar a constitucionalidade do art. 15-A do DL 3.365/41. No julgamento da ADI, reconheceu a constitucionalidade do percentual de juros compensatórios no patamar fixo de 6% ao ano para remuneração do proprietário pela imissão provisória do ente público na posse de seu bem. STF. Plenário. ADI 2332/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 17/5/2018 (Info 902).
O que ainda não sabemos é se haverá a modulação dos efeitos dessa decisão. Se isso ocorrer, durante um período os juros serão de 12% e depois voltará para 6%. Se não ocorrer a modulação dos efeitos, a decisão do STF terá efeito retroativo. Com isso, todos os cálculos que foram feitos tendo o juros de 12% terão de ser refeitos para aplicar a alíquota de 6%.

O termo final dos juros compensatórios é a data do pagamento, caso ocorra na esfera administrativa. Se for necessário invocar o judiciário, o termo final será na data da expedição do precatório/RPV. Importante observar que a correção monetária ocorre até o pagamento do precatório, enquanto que os juros compensatórios incidem até a expedição do precatório.

Juros moratórios

Por outro lado, os juros de mora devem incidir à razão de 6% (seis por cento ao ano), a partir do dia 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito (art. 15-B do Decreto-Lei 3.365/41). Essa medida tem como objetivo recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada no julgamento final de mérito.

Exemplificando: se o seu precatório tem como vencimento o ano de 2015, ou seja, deveria ter sido pago em 2015, os juros moratórios somente começarão a correr a partir do ano de 2016. Não há juros moratórios durante o andamento do processo judicial de desapropriação.

Conforme Súmula 102 do STJ, os juros moratórios incidirão sobre o valor do principal acrescidos dos juros compensatórios que foram aplicados no curso da ação.

Conclusão

É de se concluir que o instituto da desapropriação é importante instrumento necessário à efetivação de políticas públicas. Incluindo aí a afirmação de direitos difusos e coletivos.

A desapropriação, exercida dentro da legalidade (sem abusos de sua finalidade), deve ser incluída no regime dos precatórios. Isso já que é consequência da racionalidade orçamentária e, por sua vez, fator de autolimitação do Estado.

Reconhecido que o direito à propriedade é um direito fundamental, é importante colocar o instituto da desapropriação à luz do direito à indenização. Em abordagem constitucional, a posição de equilíbrio entre os direitos é algo que garante os valores de justiça e solidariedade. Estes, dois pilares da República.

Dessa forma, quando o Poder Público opta por desapropriar algum bem, este deve pagar indenização prévia e justa. Caso o desapropriado entenda que a indenização não corresponde ao valor devido, deverá entrar na justiça e aguardar toda a instrução processual. Ao término, uma vez tendo sentença transitada em julgado procedente, receberá a diferença por meio do regime de precatórios.

O Ministério Público, ao abordar tema tão complexo, propôs a seguinte tese: A indenização em dinheiro devida em razão da diferença entre o valor da condenação judicial e o da oferta inicial em procedimento para desapropriação deverá ser paga em obediência ao regime de precatórios, ressalvados os casos expressamente previstos na Constituição Federal.

[i] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. – página 711

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