Atualizado em 9 de janeiro de 2023 por natalia
Você já ouviu falar que é possível utilizar precatórios para pagamento de outorga? A concessão e permissão da prestação de serviços públicos é regulamentada pela Lei n. 8.987/1995 e, em determinados casos, depende de pagamento ao poder concedente. Após a promulgação da Emenda Constitucional n. 113/2021, foi dada autorização para que esse pagamento seja feito com precatórios.
Neste artigo, vamos nos aprofundar no tema para que você possa entender melhor sua aplicação na prática. Boa leitura!
Outorga de serviços
O Poder Público tem a faculdade de realizar diretamente os serviços essenciais à população por meio dos órgãos da Administração Direta. Também pode prestá-los indiretamente via autarquias, fundações, empresas públicas ou sociedades de economia mista. Pode, ainda, transferir a execução aos particulares a partir de uma concessão ou permissão. Para isso, o interessado deve pagar certa quantia a fim de obter o direito de explorar bens e serviços públicos.
A outorga de serviços públicos no Brasil é regulamentada pela Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal. Pode se dar pela União, Estado, Distrito Federal ou Município, em cuja competência se encontre o serviço público objeto de concessão ou permissão.
Por exemplo, no caso de outorga de direito de uso ou interferência de recursos hídricos, o Poder Público, por meio de um ato administrativo de autorização ou concessão, concede ao particular (outorgado) a possibilidade de fazer uso da água por determinado tempo, finalidade e condição.
No caso da infraestrutura aeroportuária, a Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu art. 21, que a sua exploração é de competência da União. Isto é, cabe à União a construção, manutenção e prestação de serviços nos aeroportos em território nacional. Contudo, tais atividades podem ser repassadas à iniciativa privada por meio de concessões e autorizações. Nesses casos, o particular deve realizar o pagamento das outorgas em troca do direito de exploração comercial.
Para conceder ao particular o direito de cobrar pela utilização de rodovias, o Estado, por meio do Ministério da Infraestrutura e da ANTT, realiza Audiência Pública, estudo de viabilidade, Edital de Concessão e, por fim, após a fase de pedido de esclarecimentos, procede-se à sessão pública do leilão, na qual é definido o vencedor do certame. Com a homologação do vencedor, é assinado o Contrato de Concessão entre o Poder Concedente e a Concessionária para que esta assuma o trecho rodoviário durante o prazo determinado no edital.
Existem vários outros tipos de outorgas que são concedidas a particulares, como o de exploração de portos, produção e transmissão de energia elétrica, saneamento básico, exploração e produção de petróleo e gás natural, prestação de serviços de telecomunicações, entre outros.
Princípios da Administração Pública
Toda concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública, será objeto de prévia licitação, levando em conta os seguintes princípios:
- Legalidade;
- Impessoalidade;
- Moralidade;
- Publicidade;
- Eficiência;
- Interesse público;
- Probidade administrativa;
- Igualdade;
- Planejamento;
- Transparência;
- Eficácia;
- Segregação de funções;
- Motivação;
- Vinculação ao edital;
- Julgamento objetivo;
- Segurança jurídica;
- Razoabilidade;
- Competitividade;
- Proporcionalidade;
- Celeridade;
- Economicidade;
- Desenvolvimento nacional sustentável.
Esses são os princípios previstos na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – Lei n. 14.133/2021 para que um serviço público atinja os seus objetivos e a sua função, satisfazendo as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
Não cabe, neste artigo, apresentar as diferenças entre as modalidades de licitação e suas características, bem como as distinções entre concessões comuns e patrocinadas. Basta salientar que nas comuns a receita é adimplida pelos usuários, ao passo que nas patrocinadas e administrativas há aportes realizados pelo parceiro público.
Concessão x Permissão
O art. 2º da Lei n. 8.987/1995 apresenta a diferença entre concessão de serviço público e permissão de serviço público. A primeira consiste na delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente mediante licitação, na modalidade concorrência ou diálogo competitivo, à pessoa jurídica ou ao consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado. A permissão, por sua vez, é a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos. É feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.
Em suma, no modelo de concessão, há obrigações recíprocas, prazo determinado em contrato e maior responsabilidade do particular (somente pessoas jurídicas) na construção, manutenção e prestação dos serviços. A permissão, a seu turno, é formalizada por um contrato de adesão, tem caráter precário e pode ser delegada a pessoas físicas e jurídicas.
Vale salientar que os contratos firmados entre a administração pública e os particulares devem, nos termos do art. 89 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, ser regidos pelos preceitos de direito público. Além disso, a eles se aplicam, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. Devem, também, estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, as obrigações e as responsabilidades das partes.
Como o funciona o uso do precatório para pagamento de outorga?
Primeiramente, é fundamental salientar que a Emenda Constitucional n. 113, de 08 de dezembro de 2021, alterou o art. 100, § 11 da Constituição de 1988 e trouxe diversas inovações para essa matéria.
Entre outras alterações e inclusões de dispositivos, passou a autorizar a utilização de precatórios para o pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo governo federal.
Trata-se de um direito subjetivo público concedido aos credores de precatórios para aplicar a norma constitucional em seu favor. De acordo com o caput do § 11, essa norma é autoaplicável para a União e depende, para produção de seus efeitos jurídicos, da edição de lei própria para outros entes federativos devedores.
Ou seja, pode-se dizer que é uma norma de eficácia contida para a União e de eficácia limitada para estados e municípios, já que se faz necessária a edição de lei específica regulamentando o tema.
Decreto regulamentador
O Decreto n. 11.249, publicado no Diário Oficial da União em 10 de novembro de 2022, é uma norma recente que vem para regulamentar o assunto. Nesse caso, aborda o procedimento da oferta de créditos líquidos e certos decorrentes de decisão judicial transitada em julgado.
A partir da edição do decreto regulamentador, incluiu-se no ordenamento jurídico as regras que facilitam a utilização de créditos para pagamento de outorga. Nesse ponto, ressalta-se que poderão ser aproveitados créditos líquidos e certos que originalmente lhe são próprios ou adquiridos de terceiros.
De qualquer forma, seja um titular originário ou por cessão, é preciso haver reconhecimento da União, suas autarquias e fundações públicas, por intermédio da Advocacia-Geral da União para o uso do precatório.
Conforme o secretário de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura, Furtado, “agora está mais simples para as empresas acessarem eventuais créditos que tenham com a União, mas que, na prática, ainda não estariam disponíveis”. O secretário completou dizendo que “com essa facilidade de usar os precatórios para o pagamento de outorgas ou até para a aquisição de empresas públicas que estejam à venda, nossos projetos de desestatização tornam-se ainda mais atrativos”.
Portaria da AGU
A Portaria normativa AGU n. 73, de 12 de dezembro de 2022 dispõe sobre os requisitos formais, a documentação necessária e o procedimento a ser observado pelos órgãos da Advocacia-Geral da União e pela administração pública direta, autárquica e fundacional para a utilização dos precatórios.
Nos termos da Portaria, créditos líquidos são aqueles cujo valor do objeto da relação jurídica obrigacional é incontroverso. Já os créditos certos são aqueles definidos por decisão judicial transitada em julgado cujos elementos da relação jurídica obrigacional estão evidenciados com exatidão, ou seja, que no momento da análise, não se mostra passível de rescisão, nem sujeita ao reconhecimento de inexigibilidade da obrigação em sede de impugnação ao cumprimento de sentença.
Tal definição se assemelha à de crédito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado. Nesse caso, a existência e valor foram objeto de decisão judicial imutável e indiscutível, inclusive em embargos à execução, não mais sujeita a recurso.
É importante que o credor do precatório (originário ou cessionário) saiba que seu uso — para pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pela União — segue algumas regras. Obedecerá, em igualdade de condições, aos requisitos procedimentais do ato normativo que reger a disponibilização para venda, outorga, concessão negocial, aquisição de participação societária ou compra de direitos estabelecida pelo órgão ou entidade responsável.
Documentação necessária
O credor interessado em utilizar a possibilidade do precatório outorga, de acordo com art. 4º da Portaria normativa AGU n. 73/2022, deve enviar o requerimento de liquidação de débitos, preferencialmente por meio eletrônico, ao órgão ou à entidade detentora do ativ. Além disso, deve apresentar, no mínimo, as seguintes informações e documentos:
I – Qualificação completa;
II – Manifestação expressa de que pretende utilizar créditos líquidos e certos, para os fins previstos no art. 100, § 11, da Constituição Federal;
III – indicação dos créditos que pretende utilizar, discriminando a titularidade, inclusive originária, e referindo o valor originário e o valor, total ou parcial, líquido disponível;
IV – Indicação pormenorizada do bem ou direito ou débitos que pretende adquirir, amortizar ou liquidar;
V – Certidão válida, emitida pelo tribunal competente com as características cadastrais do crédito de que dispõe, tais como titularidade, origem, natureza, valor originário, valor líquido disponível atualizado e o número do precatório ou do ofício requisitório;
VI – Procuração expedida pelo credor com plenos poderes, especialmente receber, renunciar, transigir e dar quitação;
VII – certidão emitida pelo juízo de origem do precatório indicando que não existem quaisquer ônus sobre o crédito, tais como penhora ou qualquer outro ato de constrição ou bloqueio judicial.
Caso o crédito a ser utilizado seja de um terceiro, admite-se a apresentação da documentação indicada referente ao titular do precatório, ou seja, do credor originário. Porém, deve ser acompanhada de escritura pública de promessa de compra e venda em favor do ofertante. Se a proposta for aceita, em até trinta dias prorrogáveis por igual período, o ofertante deverá apresentar as informações e os documentos necessários. Isso comprovará a titularidade do crédito em seu nome, sob pena de ineficácia do crédito ofertado.
Encontro de contas
A utilização dos créditos líquidos e certos de que trata o Decreto n. 11.249/2022 será feita por meio de encontro de contas. Isto é, deve ser verificado o crédito a ser utilizado com o valor do ativo a ser adquirido. O objetivo é garantir a precisão das informações financeiras da União e detectar qualquer erro ou desvio. Então, é dever da administração pública federal direta, autárquica e fundacional prezar pela fidedignidade das informações demonstradas nos relatórios contábeis e fiscais apresentados pela União.
Cumpre pontuar que a possibilidade da utilização dos precatórios se trata de uma faculdade — e não um dever. Ademais, em respeito ao princípio da isonomia, a União não pode estabelecer qualquer espécie de preferência ao licitante que ofertar dinheiro em lugar dos referidos créditos. Apesar de, em igualdade de condições, ser dada preferência à proposta apresentada por empresa brasileira.
O crédito baseado em precatório, ao ser utilizado para negociação com a administração pública, deve ser reconhecido como se moeda fosse. O Advogado-Geral da União, todavia, poderá requerer garantias aptas a proteger o Estado contra possíveis riscos decorrentes de medida judicial propensa à desconstituição do título judicial ou do precatório.
Como o CNJ se portou após as alterações constitucionais?
O Conselho Nacional de Justiça é instituição pública que visa a aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro. No que tange aos precatórios, possui importante função administrativa e regulamentar, sendo a Resolução CNJ n. 303, de 18 de dezembro de 2019 a norma em vigor mais relevante sobre o tema.
A Resolução CNJ n. 482, de 19 de dezembro de 2022, incluiu o art. 45-A à Resolução CNJ n. 303/2019 para adequá-la à alteração constitucional promovida pela EC n. 113/2021. Seus dispositivos vão além dos apresentados no Decreto n. 11.249/2022 e aprofundam questões inerentes ao pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente.
Por exemplo, ela prevê que essa utilização não constitui pagamento para fins de ordem cronológica. Além disso, informa que o seu aproveitamento independe do regime de pagamento ao qual o precatório se submete, desde que ocorra no âmbito do Poder Executivo e se limite ao valor líquido disponível.
O art. 46-A e seus 13 parágrafos incluídos à Resolução CNJ n. 303/2019, buscando atender aos anseios do constituinte derivado reformador, trazem outros dispositivos relevantes ao microssistema de precatórios. E, assim, regulamentam sua utilização em diversos fins.
Entre eles, preceitua que o beneficiário deve solicitar ao tribunal a Certidão do Valor Líquido Disponível (CVLD) que será expedida de forma padronizada, contendo todos os dados necessários para a completa identificação do crédito, do precatório e de seu beneficiário. Além disso, ocorre o bloqueio total do precatório no seu prazo de validade, sem retirá-lo da ordem cronológica
Também é possível efetuar o provisionamento dos valores requisitados — se atingido o momento de seu pagamento. Considerando que a a CVLD tem validade mínima de 60 dias e máxima de 90 dias, durante esse prazo não podem ser efetivados os registros de cessão, de penhora ou de qualquer ato que altere o valor certificado.
Como fica o valor do precatório quando utilizado para pagamento de outorga?
O valor líquido do precatório, para fins de utilização em outorga e concessão, é considerado aquele ainda não liberado ao beneficiário. Isto é, desconta-se o montante reservado para pagamento dos tributos incidentes e demais valores já registrados junto ao precatório — como a cessão parcial de crédito, penhora, depósitos de FGTS e honorários advocatícios contratuais. Portanto, qualquer utilização anterior do precatório deve ser abatida na apuração do valor líquido disponível.
Após o beneficiário comunicar a Fazenda Pública devedora acerca da utilização total ou parcial do crédito, o tribunal deve registrar junto ao precatório o valor efetivamente utilizado pelo Poder Executivo, bem como a respectiva data. E, assim, encerrar a validade da CVLD utilizada total ou parcialmente.
Aliás, vale ressaltar que o crédito apresentado na CVLD poderá quitar, no máximo, o valor indicado na certidão. Os valores decorrentes da atualização monetária incidentes entre a data base da CVLD e a data da efetiva utilização do crédito, por sua vez, devem ser acrescentados ao precatório quando do pagamento dos valores remanescentes.
Cumpre lembrar que, na hipótese de crédito de precatório a ser utilizado por cessionário, é preciso registrar a cessão e, posteriormente, requerer a expedição da CVLD em nome do cessionário. Se todo o valor líquido disponível for utilizado e, mesmo assim, houver saldo remanescente — referente às retenções legais na fonte, penhora, cessão, honorários contratuais ou contribuições para o FGTS – o presidente do tribunal providenciará os recolhimentos legais e os pagamentos devidos. Para isso, os recursos devem ser disponibilizados pela entidade federativa devedora, levando em consideração a ordem cronológica.
Por fim, realizada a quitação integral do precatório, será providenciada a sua baixa. E é assim que funciona o pagamento de outorga com precatório. É um tema denso e que exige aprofundamento para melhor compreensão. Então, se tiver dúvidas, deixe seu comentário no campo abaixo.