Debate em torno do arcabouço fiscal

O debate em torno do novo arcabouço fiscal levanta uma questão crucial

Atualizado em 16 de maio de 2023 por lorenna

O debate em torno do novo arcabouço fiscal levanta uma questão crucial: qual será o tratamento dos precatórios nesse contexto?

ARCABOUÇO FISCAL

Em primeiro lugar, importante pontuar que o arcabouço fiscal refere-se ao conjunto de leis, normas, regras e instituições que governam a política fiscal de um país, estabelecendo limites e diretrizes para a gestão das receitas, despesas e endividamento público. O objetivo do arcabouço fiscal é assegurar a sustentabilidade das finanças públicas, promover a transparência e a responsabilidade fiscal, bem como facilitar o planejamento e a execução das políticas públicas.

Imaginem o arcabouço fiscal como uma festa, onde os principais doutrinadores do Direito Financeiro e da Economia são os convidados de honra. Eles trazem suas ideias e análises para a celebração, mas também garantem uma dose de humor e analogias interessantes. Vamos dar uma olhada no que esses “VIPs” têm a dizer sobre como fazer a festa do arcabouço fiscal ser um sucesso retumbante:

José Maurício Conti: A festa ideal, segundo este renomado professor e doutrinador do Direito Financeiro no Brasil, deve ter uma “pista de dança” flexível. Isso significa que o arcabouço fiscal deve se adaptar facilmente em momentos de crise ou expansão econômica. Conti também nos lembra que a responsabilidade fiscal é a chave para manter a festa sob controle e evitar que as finanças públicas saiam dos trilhos.

Kiyoshi Harada: Este especialista em Direito Financeiro e Tributário acredita que uma boa festa deve seguir três princípios: equilíbrio fiscal, transparência e responsabilidade fiscal. Assim como na festa, esses princípios garantem que todos saibam o que está acontecendo e que as regras sejam respeitadas, garantindo a sustentabilidade das finanças públicas e a estabilidade macroeconômica.

Olivier Blanchard: Este influente economista francês nos aconselha a planejar a festa de forma a ser “contra cíclica”. Em outras palavras, o governo deve estar pronto para animar a festa (aumentar os gastos públicos) durante as recessões e acalmar as coisas (reduzir os gastos) durante os períodos de crescimento econômico. A chave para isso, segundo Blanchard, são as regras fiscais flexíveis que possam ser ajustadas às condições econômicas e às necessidades específicas de cada país.

Carmen M. Reinhart e Kenneth S. Rogoff: Esses dois renomados economistas defendem que a festa do arcabouço fiscal deve incluir mecanismos eficientes de monitoramento e gestão da dívida pública. Isso é como garantir que não haja “crashers” na festa, pois eles podem causar problemas com o endividamento e os custos de financiamento. A dupla também enfatiza a importância da transparência e da responsabilidade fiscal para manter a festa das finanças públicas bem organizada.

Então, agora você sabe! Os “VIPs” da festa do arcabouço fiscal concordam que um bom arcabouço deve promover responsabilidade fiscal, transparência, sustentabilidade das finanças públicas e adaptabilidade às condições econômicas. Eles também nos lembram que o controle e a gestão da dívida pública são essenciais para garantir a estabilidade macroeconômica e a efetividade das políticas públicas.

A DIVIDA PÚBLICA

A dívida pública, essa adorável dor de cabeça dos governantes, tem sido o objeto de muito estudo e debate entre os cérebros mais brilhantes do Direito Financeiro e da Economia. É com ela que os governos financiam suas atividades e investimentos, mas, como em qualquer relacionamento, é preciso tomar cuidado para que as coisas não saiam do controle e acabem em lágrimas (ou, neste caso, em uma crise fiscal).

Alguns ilustres doutrinadores, como José Maurício Conti e Kiyoshi Harada, são unânimes ao enfatizar que a dívida pública pode ser uma boa amiga, desde que utilizada de maneira responsável e sustentável. Eles também destacam a importância da transparência na gestão da dívida, para que todos possam acompanhar o espetáculo das finanças públicas sem sustos no final.

O jurista Eros Roberto Grau, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), concorda com seus colegas doutrinadores e acrescenta que a Constituição estabelece limites e princípios para que a dívida pública não se torne um monstro indomável, capaz de devorar a estabilidade macroeconômica e a sustentabilidade fiscal.

Mas como a vida não é feita apenas de teorias, temos os tribunais para nos lembrar de que as regras devem ser seguidas. O STF, nas ADIs 2.418, 4.425 e na ADPF 164, reforça a importância de se cumprir as normas fiscais e de se responsabilizar pela gestão da dívida pública.

Seja analisando a constitucionalidade de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ou declarando a inconstitucionalidade de normas estaduais que tentavam dar um “jeitinho” na contratação de dívidas, o STF nos mostra que os olhos da justiça estão sempre atentos, mesmo quando se trata das complexidades do mundo das finanças públicas.

Em resumo, a dívida pública pode ser um poderoso aliado na gestão das finanças públicas, mas é preciso tratá-la com cuidado, respeito e, principalmente, responsabilidade. Afinal, como diria o tio Ben do Homem-Aranha, “com grandes dívidas, vêm grandes responsabilidades”.

Sendo assim, antes de passar ao estudo dos precatórios, importante entender em que consistem as despesas primárias e financeiras.

DESPESAS PRIMÁRIAS E FINANCEIRAS

Vamos começar com a despesa primária. Imagine que você está organizando uma festa e precisa comprar todos os itens básicos para que ela aconteça: comida, bebidas e decoração. Esses gastos seriam as “despesas primárias” da sua festa, ou seja, aquelas indispensáveis para garantir o sucesso do evento. No caso do governo, as despesas primárias são os gastos essenciais, como pagamento de salários, aposentadorias e investimentos públicos. São as despesas que não têm um “brinde” ou contrapartida e são necessárias para manter a “festa” (ou seja, os serviços públicos) funcionando.

Agora, as despesas financeiras são como os “extras” na sua festa. Por exemplo, você decide contratar um DJ famoso para animar ainda mais o evento e, com isso, você se compromete a pagar um cachê com juros ao final da apresentação. Essa despesa tem um “brinde”: além da música, o DJ traz consigo um público maior e mais animado, gerando um retorno para a festa. No caso do governo, as despesas financeiras são aquelas relacionadas ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Elas têm uma contrapartida, como a redução do estoque da dívida ou a manutenção da confiança dos investidores no país.

Então, para resumir a “festa das despesas”: as despesas primárias são como os itens básicos e indispensáveis da festa, sem os quais a festa não aconteceria; enquanto as despesas financeiras são os “extras” que dão um toque especial ao evento, trazendo consigo uma contrapartida.

Agora você já sabe a diferença entre despesas primárias e despesas financeiras e como elas se relacionam com a festança chamada dívida pública, seguimos à atual situação dos precatórios e como eles se relacionam com as despesas.

A ATUAL SITUAÇÃO DOS PRECATÓRIOS

Os precatórios são direitos de crédito decorrentes de decisões que já passaram pela “esteira do julgamento”, ou seja, têm o selo máximo de garantia jurídica. Os gastos com precatórios sempre foram classificados como despesas primárias, tanto para o Direito Financeiro quanto para a Economia do Setor Público. Entretanto, o art. 30, § 7º, da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000), estabelece que apenas se tornam dívida se não pagos, o que constitui um equívoco.

Os precatórios, na verdade, representam dívida pública, tanto os valores a serem pagos no mesmo exercício quanto o estoque não pago, similar aos títulos da dívida mobiliária negociados diariamente no mercado. Eles configuram uma obrigação do Estado perante terceiros, com a diferença de que o prazo do título é estabelecido pelo vencimento acordado em contrato, enquanto o do precatório é definido pela Constituição, fruto de decisão judicial.

As Emendas Constitucionais (ECs) n. 113 e 114, de 2021, também conhecidas como as PECs dos Precatórios, causaram uma verdadeira “salada mista” no regime de pagamento dos precatórios, ao estipularem preferências no recebimento e um teto de valor a ser pago anualmente pelo Executivo Federal. Com isso, aumentou-se a incerteza a respeito de quais e quantos débitos serão quitados e o tratamento destinado aos precatórios não inclusos no orçamento anual.

Surgiu, nesse contexto de indefinição, uma proposta que busca resguardar as decisões judiciais dos frequentes impactos nos cofres públicos e minimizar a dor dos titulares dos precatórios que não conseguem ver uma luz no fim do túnel para receber os valores a quem tem direito, qual seja: a sua inclusão na dívida pública.

Para os defensores dessa proposta, o pagamento de precatórios deveria ser integralmente contabilizado na dívida pública. Isso elevaria o indicador de dívida, inicialmente, mas proporcionaria duas vantagens: 1) maior transparência quanto ao tamanho do passivo; e 2) a transformação de cada pagamento ao respectivo titular em despesa financeira. A primeira vantagem é mais evidente, enquanto a segunda merece maior atenção.

Ao serem classificados como despesa financeira, os precatórios não afetariam as regras fiscais durante a execução desses gastos. Obviamente, a dívida refletiria cada pagamento. Porém, a exclusão dos precatórios do rol de despesas primárias, atribuindo-lhes o tratamento contábil e jurídico adequado, permitiria ao governo formular regras fiscais abrangendo gastos sob seu controle efetivo.

Alguns doutrinadores do Direito Financeiro, como José Maurício Conti e Kiyoshi Harada, destacam a importância de tratar os precatórios como dívida pública, uma vez que são obrigações originadas de decisões judiciais e afetam significativamente as contas públicas.

Antes das ECs 113 e 114, os precatórios federais eram pagos integralmente, impactando o resultado primário (receitas menos despesas, excluindo os juros da dívida) e dificultando o cumprimento da meta anual e do teto de gastos estabelecido pela Emenda Constitucional 95/2016.

Devido ao aumento desses valores, o governo federal anterior optou por não pagar uma parcela considerável, alterando a Constituição por receio de ultrapassar o teto de gastos. Essa manobra resultou na perda de credibilidade e nas consequências conhecidas para a economia e as contas públicas, além de originar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7.047 e 7.064 no Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Luiz Fux.

As despesas com precatórios continuaram sendo contabilizadas como despesa primária e sujeitas à regra de gastos, mas de maneira limitada. A obrigação de pagar foi calculada pelo valor executado de 2016, corrigido pela inflação até 2021, criando um subteto de precatórios. Isso gerou um limbo para uma parcela significativa dessas despesas, acumulando-se ano após ano como uma bola de neve. Sabe-se que devem ser priorizadas no ano seguinte, mas o que acontece com o valor não pago, mesmo após a priorização, devido à limitação constitucional? Isso se configura como dívida pública.

CONCLUSÃO

Portanto, é fundamental conferir o tratamento adequado aos precatórios e mostrar à sociedade duas coisas: a dimensão dessa dívida, incorporando-a aos indicadores, e o efeito do pagamento aos titulares, conforme determinado pela Justiça, sobre as contas públicas. É preciso deixar de ocultar essa questão crucial.

A apresentação do novo arcabouço fiscal é uma oportunidade propícia para avançar nesse sentido. A revisão do teto de gastos determinada pela EC 126/2022 possibilita o tratamento dessa questão na própria lei complementar que estabelecerá o novo arcabouço fiscal ou mesmo alterando o § 7.º do art. 30 da LRF, de modo que todos os precatórios sejam considerados dívida pública, não apenas os inadimplidos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *