Atualizado em 10 de junho de 2020 por washington
O precatório como garantia em penhora é um tema polêmico. Ele é um bem penhorável mas nem sempre é possível oferecer como garantia em uma Execução Fiscal. Assim, buscaremos esclarecer as hipóteses em que a Fazenda Pública costuma aceitar ou recusar essa alternativa. Tentaremos ainda demonstrar os fundamentos que levaram à Súmula 406, que enfatizou a possibilidade de recusa pelo ente público.
O PRECATÓRIO COMO PENHORA
Primeiramente, vale destacar que a penhora representa o instituto por meio do qual os bens de um devedor são apreendidos, com o objetivo de evitar a inadimplência. Nesse sentido, o parágrafo 3º do artigo 523 do Novo Código de Processo Civil – NCPC dispõe sobre o cumprimento definitivo de sentença que condene ao pagamento de quantia certa.
“Não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário, será expedido, desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação.”
Isto posto, o mesmo Código elencou, em seu artigo 833, um rol exaustivo de bens considerados impenhoráveis. Dentre eles temos vencimentos destinados ao sustento do devedor e de sua família. Quantias depositadas em caderneta de poupança, até o limite de 40 salários-mínimos. Vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor. A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família. O seguro de vida.
Os precatórios, enquanto títulos judiciais, não foram elencados no artigo 833 e podem, consequentemente, ser objeto de penhora. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, manifestou-se nesse sentido, afirmando que a recusa, pelo credor, da nomeação de precatório à penhora pode ser realizada por quaisquer motivos elencados no NCPC, exceto a impenhorabilidade.
A SÚMULA 406/STJ
A Súmula 406 firmou o entendimento de que: “A Fazenda Pública pode recusar a substituição do bem penhorado por precatório”.
A Súmula derivou do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 1.093.104-SP, utilizando outros dez casos como precedentes. No caso em análise, a Fazenda Pública do Estado de SP recusou a nomeação de precatório à penhora, enfatizando decisões anteriores do Superior Tribunal.
Em sua decisão, o STJ afirmou que, embora os precatórios sejam penhoráveis, isso não implica sua compensabilidade. O regime aplicável aos precatórios, então, seria o da penhora de crédito, e não o da penhora de dinheiro.
O DEBATE
O Novo Código de Processo Civil, em seu artigo 835, determinou que a penhora deve obedecer a uma ordem preferencial, elencada em seus incisos de I a XIII. Da mesma forma, a Lei de Execuções Fiscais trouxe dispositivo semelhante, em seu artigo 11.
Entretanto, o mesmo NCPC, em seu artigo 847, conferiu ao executado a possibilidade de requerer a substituição do bem penhorado, desde que “comprove que lhe será menos onerosa e não trará prejuízos ao exeqüente”. Assim, foram exigidos dois requisitos para a substituição.
1) A MENOR ONEROSIDADE
O primeiro argumento foi utilizado para embasar a apresentação de precatórios à penhora contra a Fazenda Pública. Entretanto, em 2017, o ministro do STJ Benedito Gonçalves adotou decisão diferente, ao analisar sentença do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Por um lado, o TJSP havia afirmado que, em respeito ao já mencionado artigo 847, a penhora deveria ocorrer da forma menos onerosa ao devedor. Dessa forma, a Fazenda Pública ficaria obrigada a aceitar o oferecimento de precatório à penhora.
Por outro, o STJ afirmou que a regra geral seria o cumprimento da ordem preferencial prevista no NCPC. Esta só poderia ser desrespeitada caso o devedor comprovasse “imperiosa necessidade de afastá-la”.
A Corte ainda prosseguiu afirmando que a obrigação de comprovar essa necessidade caberia ao próprio devedor. Estabeleceu, então, que a suposta menor onerosidade não poderia ser presumida, não sendo suficiente uma “invocação genérica” do dispositivo legal.
Podemos perceber o exposto acima pelo trecho de decisão abaixo:
“o recorrente se limitou a afirmar de forma genérica a ofensa ao referido normativo sem demonstrar qual questão de direito não foi abordada no acórdão proferido (…) e a sua efetiva relevância para fins de novo julgamento pela Corte de origem”.
2) OS PREJUÍZOS AO EXEQUENTE
Discutida a questão da onerosidade ao devedor, resta ainda o debate sobre os prejuízos ao exequente. Neste sentido, a Fazenda Pública ressaltou que direitos sobre precatórios são mero direito a crédito, não sendo equivalentes a dinheiro.
De fato, vale ressaltar que, se assim fosse, a Fazenda Pública estaria obrigada a aceitar a substituição, em respeito ao artigo 15, inciso I, da Lei de Execuções Fiscais – LEF, que afirma:
Art. 15 – Em qualquer fase do processo, será deferida pelo Juiz:
I – ao executado, a substituição da penhora por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia;
Foi feita ainda a alegação de que, sendo a exequente também a devedora do precatório oferecido, não haveria incerteza no pagamento. De fato, a Fazenda Pública não poderia descumprir sua obrigação. Bastaria que pagasse seus credores para ter seu próprio crédito atendido. Seria possível, então, uma compensação de créditos.
Entretanto, a Fazenda ressaltou que uma compensação dessa natureza depende de previsão legal e que, no caso em questão, não haveria lei nesse sentido no Estado de São Paulo. Seria facultado à Fazenda, então, nomear ou aceitar a indicação de precatórios à penhora, mas também recusar sua indicação ou substituição.
O PREJUÍZO AO DEVEDOR
Dessa forma, vimos que a menor onerosidade ao devedor deve ser presumida, mas mesmo assim persistem posições contrárias. Em caso de dívida de uma empresa perante o Estado, por exemplo, a penhora de seus recursos monetários ou mesmo de seus bens imóveis poderia comprometer seu próprio funcionamento e o pagamento de seus funcionários e fornecedores. Na prática, têm sido aceitos precatórios próximos de seu prazo de liquidação, ainda que referentes a outros entes federativos.
Ao final
Em 2009 o STJ emitiu a Súmula 406 após reunir diversos prece. Essa manifestação esclareceu o caráter indubitavelmente penhorável dos precatórios, mas também que essa característica não implica sua penhorabilidade.
Quanto à ordem de preferência prevista pelos NCPC e LEF, fica claro que deve ser respeitada enquanto regra geral. Todavia, essa ordem não necessariamente deve ser rígida e inflexível. Sua desobediência pode ocorrer, desde que seja devidamente justificada à luz das circunstâncias do caso concreto e das partes envolvidas.
Por fim, conclui-se que a Fazenda Pública pode indicar precatórios à penhora, ainda que referente a outro ente público. Entretanto, não está obrigada a aceitar essa indicação ou a substituição de outro bem penhorado pelo precatório, desde que justifique sua recusa.